sexta-feira, julho 30

mas que treta de vida...

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Esta manhã quando chegava no gabinete foi-me perguntado de uma forma implacável, “sabes quem morreu?”. Mesmo sabendo da grave doença de que António Feio padecia, fiquei chocado ao saber da sua morte. Não o conhecia pessoalmente mas era uma grande figura, pública, de reconhecido talento, inteligente, de uma simplicidade contagiante e trato afável.

«aproveita cada dia... cada momento... agradece... e não deixes nada por dizer... nada por fazer». Esta é a sentida mensagem que António Feio deixa e se pode ler no “trailer” do novo filme de Fernando Fragata, Contraluz.

Não é verdade que sejamos todos iguais. Há aqueles que percorrem o mundo sem deixar marca e aqueles para quem bastam pequenos momentos para nos marcar para sempre, absolutamente insubstituíveis no palco da vida. Esbocei um sorriso ao recordar as suas personagens e se ele ainda nos ler, nos ouvir, se rir connosco, resta-me dizer-lhe que foi um enorme privilégio ser seu espectador e que teria gostado muito de lhe apertar a mão e lhe dizer OBRIGADO.




quinta-feira, julho 29

pois é...

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... o futuro não tem futuro!


(clica na imagem para ler melhor)


quarta-feira, julho 28

o efeito estufa

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O alerta é vermelho vivo e o risco de incêndio está activo para 11 distritos do país. As regiões centro e norte de Portugal são as mais atingidas pelos incêndios, que em alguns casos lavram desde o último Sábado. As altas temperaturas e o tempo seco fazem com que as chamas se propaguem, dificultando os trabalhos de milhares de bombeiros que combatem os incêndios.

Cá dentro, no gabinete, não se nota nada mas consta que hoje o dia está mais fresco! E quando me disseram como estava o panorama lá fora até me custou a acreditar. O céu está cinzento, escuro, parece nevoeiro e o sol está escondido. Muito fumaça cobre a cidade e o ar, também mais húmido, está quase irrespirável.

As autoridades não querem para já determinar as causas destes incêndios mas alertam para os cuidados a ter pela população, no sentido de prevenir os acidentes. “Não fazer fogo de qualquer espécie, não fumar, não fazer queimadas, não lançar foguetes”. Todos nós sabemos que a floresta só com o calor não arde e que muitos destes incêndios não só causados por causas naturais e acidentais. A mão criminosa, o fogo posto, aliada às condições meteorológicas e falta de limpeza das matas, continua a ser a maior causa para os incêndios. Os meios de combate aéreo continuam a ser escassos, as corporações de bombeiros estão mal equipadas, proliferam as lixeiras de entulho a céu aberto cheias de vidros e materiais inflamáveis e a falta de civismo são as principais razões para que todos os anos o nosso país tenha que se confrontar com este flagelo.



Aos nossos bravos soldados da paz muita força e coragem.


terça-feira, julho 27

tempo seco

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Não são 10 horas e o termómetro já marca 30ºC. Está muito calor. Na rua já parece o inferno, medonho, pegajoso, opressor. A verdade é que nos dias que correm o Verão vai intenso, com os níveis ultravioletas no máximo e as roupas no mínimo. Se eu gostaria estar noutro local? Epá, mas isso nem se pergunta! Podia ser numa praia a curtir o que o Verão tem de melhor para dar, de calções de banho e sandálias havaianas, perto d’água refrescante a saborear um gelado. Compadeço-me com o sofrimento de quem está a trabalhar, sentado frente a um monitor, a ler este texto onde me derreto em palavras…

Socorro, tirem-me daqui!!!



sexta-feira, julho 23

salvo pelo facebook!

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Vá, tentem me responder a isto em duas ou três palavras: O que faz um pai de família com uma tenda e um colchão insuflável, à porta de sua casa para lá da meia-noite, hummm? Errado… Embora possa parecer o que imaginam, na realidade eu estava só a tentar entrar. E de uma coisa tenho que dar a mão à palmatória, afinal o facebook sempre serve para alguma coisa. Pelo menos, ontem, poupou-me as costas aos bicos de papagaio e livrou-me de ter de pensar numa boa desculpa para o facto de não ter dormido em casa. E caso estejam curiosos sobre o que falo, a coisa resume-se mais ou menos a isto:

Devido ao desaparecimento da minha velha tenda de campismo, a que fui alheio, e com a premissa de repousar condignamente após as bebedeiras musicais no festival do Sudoeste, eu e o meu cunhado combinamos à última da hora nos deslocarmos a uma dessas mega lojas de artigos desportivos, que agora não interessam ao caso. Terminado o jantar, aviso a família que vou sair, pego no telemóvel, no molho de chaves e na carteira e saio porta fora. Regressado muito mais tarde com o produto das compras, saco do molho de chaves e entro no prédio. Tudo normal, não fosse depois o berbicacho da chave do apartamento não querer entrar na ranhura da fechadura.
Diacho, não entra! Tu queres lá ver que está outra chave por dentro!? E estava. Bonito serviço! Aproveito desde já para reclamar com o fabricante de fechaduras que, se por um lado esse sistema dá jeito contra os ladrões, por outro é desesperante não poder entrar em casa. Mas os telemóveis existem para muita coisa e também para telefonar, só que para tal é necessário que os aparelhos com quem pretendemos comunicar estejam ligados. E não estavam! Não me restando muitas alternativas finco o dedo na campainha, mas sem sucesso. A minha bela já estava adormecida, e muito provavelmente a sonhar com o seu príncipe, mas o meu herdeiro devia estar acordado no quarto, pelo menos eu avistava a luz acesa. Pensar eu até pensei, mas confesso que seria muito optimista ter o mínimo de precisão em conseguir acertar uma pedrita numa das janelas do oitavo andar. E para chamar a sua atenção a gritaria àquela hora só iria alarmar a vizinhança. A principio, já me imaginava um sem abrigo por uma noite, mas então apercebi-me da fortuna no meio do meu azar. Não teria necessidade de dormir ao relento e poderia já estrear a tenda, acabada de comprar, e acampar ali mesmo no relvado fronteiriço ao prédio. Afinal eu estava com sorte. Olá vizinho! Boa noite vizinha. Então, cá fora a apanhar a fresquinha da noite?! Numa derradeira e desesperante tentativa, procuro a luz ao fundo do telemóvel, a internet móvel, e fazendo figas inclusive com os dedos dos pés rezei para que o meu rapaz não me tivesse dado ouvidos e, àquela hora, andasse pelo facebook. E não é que estava!



É claro que o reverso da medalha é o facebook não saber guardar segredo!


quinta-feira, julho 22

escrevam, tá!

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O nosso amigo e blogovizinho Carlos, no topo do seu Rochedo, incentivou-nos a que vasculhássemos os tarecos de casa em busca de postais, daquelas verdadeiras relíquias com selo e carimbo, preciosidades cada vez menos em voga, trocadas pelos descartáveis postais electrónicos, os emails. Então, ontem dediquei algum tempo a revirar gavetas em busca de cartões com que fazíamos inveja aos nossos familiares e amigos pelas imagens sugestivas e palavras bem dispostas das nossas férias, e… o que eu fui encontrar!




Durante a vida há pessoas que, mesmo de passagem, nos marcaram pela sua presença, alegria, simplicidade e grande amizade. Fred e Zenaide chegaram de João Pessoa, estado de Paraíba, Brasil, carregados de sonhos, em busca de uma realização pessoal e profissional. Ele, modelista, pintor e músico incompreendido. Se aquele cara, o Rui Reininho, canta bem então eu sou o Sinatara, dizia ele. Ela, dentista, batalhou e montou um consultório, mas… Dois anos e alguns meses mais tarde vieram cá a casa, de malas feitas, para se despedirem. Com a mesma alegria que transportavam nos seus belos rostos, com muita emoção nas palavras, foram embora para tentar a sorte num outro lugar. Guardaram os mesmos sonhos na bagagem e levaram a melhor recordação de Portugal, o pequeno Gabriel. Eu e a Carla ainda curtíamos o nosso casório quando recebemos na caixa do correio este postal que nos enviaram de Oxford, Inglaterra. Que saudade porra. Passaram 16 anos e não voltamos a ter notícias suas. Nem outro postal. Pena que não se tenham lembrado de escrever um endereço.



Fred, Zenaide, escrevam tá! Beijão.


segunda-feira, julho 19

como um girassol

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Por estes dias mais acalorados, e até mais do que é costume, pedalar tem sido a minha praia. Não é que não goste de praia, adoro, mas porque quem conhece as praias do norte, a sua característica nortada e a água fria desmoralizam qualquer um, principalmente quando só se pode ser um banhista pós-laboral. E mesmo aos fins-de-semana, a vontade de se começar a manhã com uns banhos de mar e de sol, nem sempre combinam com a disposição de apanhar com um mar de gente a correr, a gritar e atirar areia para os meus olhos. Só que a manhã de Sábado passado esteve perfeita, o sol não estava abrasador, corria uma brisa suave e fresca e a água do mar estava apetecível. Assim, e depois das minhas pedaladas matinais, resolvi ir almoçar à beira mar com a melhor das companhias e passar uma tarde esplendorosa, entre as rochas da Praia dos Ingleses. E, meus amigos, se houve dia de praia que me soube pela vida foi esse, mas que irá ficar indelevelmente marcado na minha pele por uns tempos.

É típico nos ciclistas e não só. O meu tom de pele era aquilo que se pode chamar chamar de "um moreno à ciclista" ou "à trolha". Exibe uma gradação multicolor, um sexy degrade marrom, em que as partes mais escondidas preservam o tom de pele natural, alvo como um copinho de leite, enquanto as partes mais expostas aos raios solares exibem um saudável bronzeado. Convenhamos que mais parecia um arco-íris, e que quando exposto aos olhares dos frequentadores da praia, principalmente do mulherio, até imaginava os comentários e sorrisos que se soltavam ao vento. Seja como for, deitei-me na toalha, de papo para o ar e, teimosamente fui adiando as besuntadelas com camadas de protector solar. Volto-me de barriga para baixo e, embalado pela areia morna, pelo som das ondas do mar, cada vez mais baixo, cada vez mais distante, acordo minutos mais tarde com as costas e os ombros escaldados, tão dourado que nem um reluzente camarão grelhado! E agora, só para aprender a não me deixar escaldar com este tipo de coisas, vou ter que comprar um protector solar, factor pr’aí de 350 ou mais, e deixar-vos a adivinhar:

Qual é coisa, qual é ela que é redonda como o Sol, tem mais raios do que uma trovoada e anda sempre aos pares?

quarta-feira, julho 14

outra bicicleta!!!

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Mais do que nos dar a conhecer e recordar momentos que marcaram a nossa vida, o velho álbum de fotografias faz também reflectir sobre aquelas pequenas coisas que tanta emoção e satisfação nos deram. São pequenos rectângulos de papel que fazem cócegas à memória e nos provocam belas histórias, como recordar o primeiro brinquedo, o primeiro dia de escola, a primeira briga, a primeira comunhão, a primeira bebedeira, o primeiro carro, o primeiro sorriso do filho, eu sei lá... emoções fortes de momentos que gostaríamos de reviver, e é natural que assim seja. Mais uma vez reviro o fundo do baú, não para contar como foi o primeiro beijo mas porque muito antes da minha primeira namorada eu tive a minha primeira bicicleta.

Sendo eu o primogénito, no dia do meu quinto aniversário tive o privilégio de ser o primeiro a conhecer aquela que marcou as pedaladas de infância. Era uma Orbita de uma cor invulgar, num tom verde “bisga”, com pneus brancos, rodinhas extra, desdobrável e sem velocidades. O suficiente para começar a pedalar e deixar de vez o triciclo esquecido a um canto. Passados três meses e tal foi a vez do meu irmão receber a sua e parar de embirrar. Olhando a fotografia com atenção, dou conta como aquele pátio era pequeno, mas na altura parecia-me haver muito espaço para dar aos pedais.

Mas aqueles eram tempos de brincar na rua, onde perigo era palavra proibida e radical era brincadeira de criança. Desde o momento que me foi permitido percorrer a rua de uma ponta à outra, eu meti na cabeça que já era a altura de largar aquelas rodinhas ridículas. E todos os momentos com os nossos pais, são momentos de "primeira vez de bicicleta", onde aprendemos, caímos, insistimos e nos estatelámos ao comprido. Eles estiveram lá para nos ajudar a levantar e tentar de novo, para nos curar as feridas, sempre ao nosso lado quando, já sem o amparo das rodinhas, nos viram crescer e aventurar por um mundo que florescia a cada pedalada. A quantidade de sustos e de acidentes que tive desde então, foram apenas troféus guardados na minha pele em forma de cicatrizes nos joelhos e nas palmas das mãos.. Hoje, fico até admirado quando passo pela rua, pelos lugares onde adorava fazer quilómetros e aventurar-me pelos pinhais da vizinhança. Não sei como tinha coragem de descer algumas ladeiras que eu descia, apostando com os meus amigos em corridas de bicicleta ou de carrinhos de rolamentos pelo passeio da rua. Fechava os olhos e só rezava para não atropelarmos ninguém, mas parece que as rezas não ajudaram muito. A minha mãe deve recordar-se bem das vezes que tratou as nossas cabeças partidas.

Mas acontecem coisas na vida que não tem explicação e as pedaladas foram trocadas por outras namoradas. As bicicletas que me levaram a todo o lado foram esquecidas e acomodei-me numa vida totalmente sedentária onde era agora o carro que me carregava o tempo todo. E nem caminhar eu caminhava mais, até ao dia que decidi ser a altura de recomeçar a tomar o gosto pelas pedaladas. Foi quando chegou o momento, porque aprender a andar de bicicleta não é simplesmente aprender a andar de bicicleta, é mostrar o que a vida tem para nos oferecer, e que, dependendo de tudo o resto que nos possa acontecer, eu como pai estive ao seu lado, para o ensinar, ajudar a levantar, encorajar e recomeçar.

Assim, um dia resolvi comprar uma bicicleta, aquela que está ali na barra lateral, e tornei-a minha companheira de viagens e muitos passeios solitários. Foi a que mais quilómetros fez comigo, estrada fora. Fez-me gozar de muita adrenalina e ajudou-me a sentir a tremenda sensação de liberdade que é alcançar distâncias, que antes seriam impensáveis para mim de alcançar, apenas com o suor como combustível. Mas eu, que já devia ter idade para ter juízo, abusei da bicha que agora reclama a reforma e descanso. E foi com aquela mesma alegria de menino, que ganha a sua primeira bicicleta no dia de aniversário, que dei a primeira volta numa leve e esbelta bicicleta de estrada, a minha nova companheira para continuar a pedalar com o maior dos prazeres.



n.d.r.: Parabéns Sérgio Paulinho, és cá dos meus pá.



segunda-feira, julho 12

e como é ao metro, ó faxabôre?...

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Praticamente desde o seu início que sou adepto e “sócio” do Metro do Porto. Este magnífico meio de transporte urbano tem conseguido uma adesão significativa de toda a gente tripeira e não só. Foi uma autêntica revolução na modernização do serviço de transportes urbanos na Cidade Invicta. Permite de forma mais rápida, cómoda, sem filas de trânsito nem semáforos a empatar, a mobilidade aos seus utentes dentro e fora da cidade. No que me diz respeito, veio transformar a minha vida quotidiana para bem melhor, e permitiu libertar-me da sedentariedade do automóvel. Assim, um passageiro que faça uma viagem esporádica compra o Andante, um cartão de papel azul com chip lá dentro, e carrega-o com as viagens que desejar efectuar. Para um “sócio”, como eu, que utiliza o metro com bastante regularidade, compensa de sobremaneira ter o Andante Gold, um cartão de plástico que permite um número ilimitado de viagens durante um mês e pode ser carregado numa qualquer caixa multibanco. Este sistema é intermodal e pode ser usado noutras transportadoras da Área Metropolitana do Porto, como os autocarros e o comboio, podendo o utente manter o cartão guardado na carteira ou no bolso, bastando unicamente passá-lo em frente ao scanner para validar a viagem.



Eu sei que é. Continuo a ouvir amiúde comentários de como é giro, rápido e funcional, no entanto continua a ter os seus senãos. A escassez de linhas é um deles. Por outro lado, para um turista que não está habituado a utilizar o famoso Andante, algumas instruções deveriam ser mais claras sobre o que é, como funciona, as zonas e os preços praticados. Mas, pelo que tenho visto, quem tem boca vai a Roma..., neste caso à Boavista, e depois serve aqui o experiente para esclarecer quem estiver à nora. E mesmo assim, aqui o experiente, acaba também por ser vítima do sistema. Esta manhã, apresentei-me à hora do costume na estação de Metro para a minha primeira viagem do dia. Saco do cartãozinho dourado e nicles, a maquineta ignorou-o por completo. Experimentei-o em todas as máquinas existentes e nada, nem sequer uma reacção negativa recusando o dito (um bip-bip com luzinha vermelha) obtive. Passaram um, dois, três veículos e eu ali a fazer figurinha parva de um lado para o outro a barafustar com a vida. Sabendo que correria o risco de ser multado forte e feio (95€ é dose), enchi-me de razão e meti-me no metro até a Trindade sem validar a viagem. Tive sorte e andei lesto até à loja do Andante para reclamar veementemente. Derretido pelos olhos da menina que me atendeu sai de lá com 5 euros a menos na carteira, um Andante novo e a justificação que a síncope do velhinho Andante foi por cansaço e limite de idade, “pois, se o seu Andante tem quase 6 anos!”. Estranhei, pois se o tive sempre preservado numa saqueta de plástico, sem qualquer contacto físico ou qualquer possibilidade de contágio, como poderia expirar assim, tão de repente! Tudo bem, espero, ó menos, que essa pequena nota azul sirva, de alguma forma, para ajudar a aliviar os défices de exploração da empresa.


segunda-feira, julho 5

retratos de afectos

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Debruçados na janela, os dois meninos não queriam perder pitada da paisagem que se descortinava à medida que o comboio avançava, lentamente, ao longo do rio, rumo a um paraíso desejado. Aquele cheiro quente, o bater das rodas de aço nas emendas dos carris, o apito da locomotiva como a pedir passagem, as diferentes perspectivas e curvas do Rio Douro pareciam retiradas de um deslumbrante e misterioso livro de fantasias. O revisor, barrigudo e de bigode farfalhudo esforçava-se por circular entre os bancos apinhadas de passageiros, a conferir os bilhetes. A tia Sílvia, que não se cansava de lhes recomendar “não ponham a cabeça fora da janela, é muito perigoso”, desta vez não teve contemplações e com um puxão pelos calções trouxe os rapazes de volta ao banco da carruagem. Para os dois pequenos irmãos, aquela viagem tinha um sabor a aventura. Eram tempos despreocupados, ainda mais quando nos princípios de Julho as férias grandes significavam passar o Verão à “terra da minha mãe”, como sempre disseram. Ali, todo um mundo de fantasias nascia a cada dia. De repente, livres dos livros e do colégio, sentiam-se como na pele de Tom Sawyer e o rio deixava de ser D’ouro para passar a ser um afluente do Mississipi, que acompanhava à imagem dos desenhos animados da sua meninice. “Preparem-se meninos, estamos a chegar”. O desembarque na estação da Ermida foi rápido, e antes mesmo da locomotiva apitar novamente anunciando a partida, de bagagens na mão, davam início à derradeira etapa da viagem.

O passeio seguia-se a pé, ao longo do trilho ferroviário, até se depararem com a boca escura e assustadora do túnel. Entraram corajosos e ultrapassaram a tenebrosa passagem, sem no entanto faltar um acto de rebeldia marcado com fuligem na indumentária do mais pequeno, enquanto o outro estava mais preocupado em encontrar um local apropriado para aliviar a bexiga. Acercaram-se de um canavial e desaguaram ali mesmo, sobre um carreiro de formigas que iam e vinham. Aliviados, tomaram a saída por um caminho que os levaria de novo a um fascinante e maravilhoso lugar, a fresca e verdejante foz do ribeiro, o Rio Teixeira. O calor que se começava a fazer sentir confundia-se com os aromas silvestres das flores selvagens que crescem agrestes na encosta do rio. Por vontade deles ficavam já ali, a escorregar na pedra grande e a mergulhar naquela água fria e cristalina, a pescar à cana com os pés de molho, a subir o ribeiro, pedra por pedra, até ao açude do moinho. Por momentos, o suave e relaxante som das pequenas cascatas fez-lhes esquecer a dureza dos caminhos que teriam ainda de percorrer, mas o barulho metálico de um comboio de mercadorias, que cruzava o arco da ponte de cantaria, despertou-os e embalava agora os seus passos pesarosos, apenas acelerados pelos ares do campo de uma solarenga manhã de Verão.

Quando chegaram à casa dos avós e dos tios, um pequeno povoado chamado Lugar do Castelo -oh mãe, já cheira a Castelo-, chegava com eles a alegria e os ares da cidade. A pouco mais de noventa quilómetros do Porto tudo parecia tão distante naquela época. E era a agitação dos reencontros familiares, o bater às portas dos amigos, o percorrer o caminho da fonte e trazer água fresca para casa, o prazer de colher e comer as laranjas de sangue do quintal da tia Elisa.. No dia seguinte, depois do despertar ao som do inesquecível matraqueado da máquina de tricotar fatinhos de lã da tia Sílvia, foram passar a manhã toda a correr e a brincar no campo do Travessado, enquanto o avô Zé Pinto regava o milho e as batatas. E às 13 horas, impreterivelmente, estavam todos sentados à mesa a saborear a comida caseira que a avó Madalena havia preparado enquanto entrelaçava açafates e cestinhas de piorna, arte que tia Carolina vem mantendo. E comiam tanto que depois repousavam à sombra da ramada, a dormir uma boa soneca ou a escutar no rádio os Parodiantes de Lisboa ou a rádio-novela. Junto com os adultos recordavam os momentos passados na eira, onde faziam a desfolhada às maçarocas do milho. Quando o raro milho-rei (maçaroca de cor avermelhada) saía a alguém havia festa garantida. Lembravam também como tinha sido boa a apanha da azeitona e planeavam as vindimas. Mas os rapazes já exasperavam impacientes de tanta conversa e não queriam perder mais tempo. O que lhes interessava era retirar os amigos das tarefas do campo e irem refrescar-se nas águas claras do ribeiro. Responsáveis, eles foram percebendo que saber esperar e respeitar as decisões dos mais crescidos é não só uma virtude como uma vantagem.

Com uma bacia carregada à cabeça, tia Sílvia e outras mulheres da aldeia desceram até ao moinho do ribeiro para lavar roupa. Com elas, felizes da vida, seguiram então os dois rapazes da cidade. Estavam finalmente livres para as suas aventuras, brincadeiras e pescarias com os seus amigos, e ali espaço para aventurar é que não faltava. Pinhais, vinhedos, horizontes e montes de se perderem de vista, cobertos de mato verde onde a passarada multicor musicava os seus gorjeios, e um ar leve com cheiro a ervas do campo e frutas amadurecidas lhes enchia os pulmões repetidas vezes. Nada é mais melancólico do que o entardecer no campo. Parece um outro mundo, outro sol e outro céu. No olival, sentado num tronco de oliveira caído, distraído com a construção do meu carroço (duas rodas de cortiça unidas por um pau de nogueira onde se encaixava em cunha uma cana que servia para a condução daquele brinquedo tão rudimentar), com o dourado do céu a anoitecer o rio, eu percebia a chegada sorrateira da chona. A passarada silenciava e procurava abrigo na ramagem do arvoredo, os grilos saiam das tocas, desafiando-se, e a lua respondia à chamada e encobria toda a natureza com seu capuz estrelado. E outro dia seria outro dia.

sexta-feira, julho 2

o valor de um abraço

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... de um abraço pela vida.

Bom fim-de-semana e boas férias para quem está/vai de férias.



quinta-feira, julho 1

aí estão eles

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OS AUMENTOS