sexta-feira, agosto 13

feito d' ouro

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Saio para as minhas pedaladas diárias que me aceleram o coração e o renovam de energias. Nestes finais de tarde, que demoram a cada volta dos pedais, procuro me distrair junto ao Atlântico e aguardo o último clarão dourado do eterno farol. A marginal do Porto tem este encanto, como se a luz que se atravessa no horizonte, em vez de avisar os navios esquecidos no mar, me ensinasse a mim o caminho de regresso a casa. E ela nunca me engana. Ela nunca se atrasa. Nesta altura, o vento de Norte crava um arrepio no meu corpo, apenas adocicado pelo perfil serpenteado da orla azul, esboçado pelo rastro rodado e constante dos meus pés. O prazer ondulante que sinto contra a força da nortada colora-me as maçãs do rosto, enquanto a sonoridade das ondas nas rochas me salpicam e refrescam a face, como se estivesse na proa elevada de uma embarcação. A bela e o monstro passeiam de mãos dadas, e a pureza e a brutalidade carregam-se de água e de ilusão. Provavelmente no ponto em que o mais belo esboço urbano da cidade se encerra em si e dá lugar a um encantamento inultrapassável. Enrolo as velas inspiradoras, deixo cair o sonho do aroma a maresia e aligeiro a minha cadência rumo à Ribeira, que a alma nem sempre é feita da agitação salgada do mar, também é doce como a vagarosa corrente que é feita d’ ouro. Sentei-me mudo e quedo na margem junto ao rio, deixei-me empurrar pelos pensamentos e lancei aquele olhar de soslaio sobre a ponte, numa mise-en-scéne convidativa para conversar. E é aqui que percebo como a luz já vai ténue, acentuando mais as distâncias e definindo os contornos da realidade. Dessa indescritível sensação que é de estar num lugar que me pertence e ainda assim sempre longe de casa.




(fotos tiradas na Ribeira de Gaia, ontem à tardinha, quando regressava de bicicleta de casa dos meus pais)


Kauai Sunset by Philip Bloom


7 comentários:

Kok disse...

Com um cenário desses e na quietude dum final de dia quente de verão tudo de mau forçosamente se esquece para gozar de uma paz ainda que efémera.
Porque amanhã voltam os desassossegos...

Akele abraço, pah

Nenúfar Cor-de-Rosa disse...

Que texto belíssimo e multiplicidade de sentires, tal qual a vida deve ser vivida, assim...SENTINDO! Gostei imenso. Continuação de bons sentires!!

VAP disse...

As fotos são fantásticas...esta cidade é um Tesouro!

Rafeiro Perfumado disse...

Lamento discordar, mas o farol não é eterno, existem estudos que afirmam que mais milhão menos milhão de anos e ele apaga-se...

Anónimo disse...

Que saudades me fizeste sentir do nosso Porto!

Filoxera disse...

Excelentes fotos. E um texto que me remete à cidade do meu coração.
Beijinhos.

Teté disse...

As fotos estão muito bonitas, o texto enaltece a cidade que tanto amas e a música completa o quadro em tons de romantismo...

Gostei deste post quase poético! :)