sexta-feira, dezembro 3

valsa azul num palco branco

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Quase 24 anos depois do calcanhar de Madjer e da arma secreta de Juary terem dado a volta ao Bayern, com dois golos que depois deram a volta ao Mundo, os heróis de Viena voltaram ontem ao antigo Prater. E foi de memória, de recordações e de uma alegria genuína que se tratou este regresso ao palco que lançou o Futebol Clube do Porto para a primeira linha do futebol europeu. E de memória guardo bem as circunstâncias em como vivi esse momento.


Havia assentado praça na Escola Prática de Engenharia, em Tancos, uma semana antes para o serviço militar obrigatório (só mesmo obrigado!). Naquele dia, 27 de Maio de 1987, depois da alvorada, as tropas recrutas formaram na parada do aquartelamento do Casal do Pote com o equipamento de ginástica vestido. A manhã despontou soalheira, mas de leste, por entre as camaratas, soprava uma fresca brisa ribatejana de fazer arrepiar o esqueleto. O meu estado de espírito não seria dos melhores, não só porque estava ali numa triste figura mas porque sabia não haver muitas hipóteses de poder a assistir à grande final. Aos recos, apenas lhes cabia a disciplina e prestar obediência, para só ao fim de seis semanas de recruta serem "promovidos" a maçaricos e conquistar o direito a entrar no bar de praças, local onde havia um televisor disponível. Restava-me pois um rádio a pilhas para me dar notícias das incidências da partida. Depois do rancho, já a caminho das camaratas, deram-nos a melhor das notícias. O Sargento Soares, indefectível portista que mal conhecia mas que a partir desse dia não mais esqueci, havia desenrascado uma autorização superior e mandou colocar um aparelho de televisão no refeitório. Após a ceia, impreterivelmente servida às 18:30h, arrumou-se a sala, alinharam-se as cadeiras e sintonizou-se a antena para vermos a transmissão da bola. Quando deram o pontapé de saída já todos os requinhos, ou feijões verdes, como preferirem, estavam a dar palpites e insultos ao árbitro. A larga maioria era adepta de outras cores, e poucos, muito poucos, roíam as unhas. A primeira parte não nos correu de feição. Eu e o Neves saímos ao intervalo para um cigarro retemperador, verter águas e refazer as fezadas. Para a etapa complementar, ao apito do árbitro, voltaram apenas três fiéis adeptos azuis e brancos crentes numa reviravolta. Eu o Neves e o Sargento Soares que se juntou a nós dizendo estar farto de ouvir bocas dos mouros! Todos os outros ou foram engraxar botas ou espreitavam para nos fazer troça com umas piadas. Mal eles sabiam que esses treze heróis (os onze iniciais mais o Juary e o Frasco) iriam voltar ao campo de batalha para conquistar a mais bela vitória frente aos bávaros. No fim do jogo nem é preciso dizer mais nada. Exultámos em delírio, abraçados num choro de incontida alegria e a soluçar como uns meninos, enquanto alguns dos descrentes voltavam incrédulos, curiosos com o que havia sucedido. O capitão João Pinto corria agora louco pelo relvado, com a taça bem segura pelas mãos, pousada na cabeça, e eu imitava-o, empunhando firme as garrafas de cerveja mini que iam parar à minha mão em substituição do vasilhame. Subitamente um estranho sentimento, misto de euforia e tristeza, se abateu sobre mim quando me apercebi de que faltava mais qualquer coisa. Não poderia estar na festa dos dragões, a festejar pelas ruas da Invicta rodeado das gentes tripeiras. E ali fiquei, sentado na soleira da porta a nortear o olhar no horizonte que escurecia, de pensamento perdido até ouvir o soar da corneta para o recolher.

Ontem, o jogo do Porto no Prater fez-me soltar sorrisos e memórias, até de uma outra final, a de Dezembro do mesmo ano, às três da matina, com neve e temperaturas negativas. O cenário branco e gelado de Viena fazia recordar outro palco glorioso, o de Tóquio, onde ganhamos a Taça Intercontinental aos uruguaios do Peñarol, mas aí eu já estive a assistir em casa, a torcer e a festejar com os meus melhores amigos.





8 comentários:

Anónimo disse...

Também guardo bem na memória os momentos que vivi ( e onde os vivi)!
Mas, como disse no CR, foi mais de Tóquio que me lembrei ontem à noite, do que de Viena.

Carlos Pedro disse...

Por esta (e por tantas outras...) é que estas cores continuam a ter o azul da nossa admiração.
Um abraço amigo

ψ Psimento ψ disse...

Sou do F.C. do Porto por mera simpatia e por ser o clube da cidade. De resto de futebol não gramo nada e nem gosto. 90min a ver uns marmanjos a correr atrás de uma bola com tantos filmes muito mais interessantes disponíveis para ver nesse espaço de tempo?? Nahhh
Um abraço.

Rui disse...

É bom recordar esses 2 momentos altos do FCP !
Como me lembro bem desses 2 jogos, mas a grande recordação ao vivo foi a do Porto - Mónaco na Alemanha no estádio do Scholk 04 em que ficamos campeões europeus !
.

Almeida disse...

Só tenho pena não ter grande memória,
mas agradeço-te o teu reviver dos acontecintos.É como dizes,estamos a passar a um estado d`´alma comose vivia nessa epoca,para desconforto de alguns.

Um abraço

paulofski disse...

Carlos, este jogo foi uma boa recordação, espécie de dois em um, onde a valsa e a neve se misturaram em mais uma inesquecível vitória. Abraço.

Bem-vindo amigo Carlos Pedro. São momentos assim que nos dão cor à vida. Um abraço.

Psimento, pois eu gosto e vibro com a animação do desporto rei. E aquela sensação que vivi no tempo a que se reporta o texto, estando eu longe de casa, ficou para sempre gravada. Abraço.

Bem-vindo Rui. As recentes vitórias internacionais do Porto só vieram demonstrar a todos o quanto este clube é fantástico. Abraço.

Olá pai. Ah é! No fim-de-semana a seguir ao jogo, quando cheguei a casa, tive uma excelente surpresa. Sem me dizerem nada, compraram um vídeo gravador e gravaram-me o jogo. Será que aclarei a memória com mais esta? Beijo.

Kok disse...

Eu lembro-me muito bem de estar frente à TV a ver o jogo e ficar com vontade de dar umas porradas ao Jaime Magalhães quando ele falhou aquele "corte" que deu origem ao golo dos alemães.
E depois foram tantas as vezes que podiam ter marcado...
Mas no final foi lindo! O ganhar e ver o João Pinto que não passou a taça a ninguém! eheheheh!!!

Akele abraço pah!

Filoxera disse...

Também me lembro bem, até das caras desta equipa. Tempos em que ainda ligava ao futebol... Só já não me lembro dos nomes de todos eles.
;-)