quinta-feira, julho 14

reviver Fânzeres de bicicleta

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À cerca deste poste onde recordei um lugar mágico, o meu irmão comentou: "Boa Mano... essa memória fotográfica é um espetáculo.... lembras-te das corridas de bicicleta que faziamos à volta do bairro em Fanzeres??? E quando eu me estatelei e andei uma semana a dormir de pijama (com uma caloraça...) para o Pai não ver as minhas feridas!!! "

É claro que me lembro, e lembro tanto que até já tinha revivido tão inesquecíceis momentos no meu outro blogue, na bicicleta.

Durante vários anos, para a grande maioria dos rapazes da minha idade, o prazer de sair à rua a pedalar uma bicicleta resumia-se praticamente a dar a volta ao bairro ou arriscar aventuras pelos bosques. Era uma festa formidável. Um mini-pelotão de ciclistas sem prática reunia-se em frente a minha casa e pedalava horas a fio pelo empedrado, pelo cimento dos passeios, por terras de pó e lama. No dia seguinte estávamos de rastos mas era uma ressaca saborosa. Esse dia era o primeiro dia das férias grandes.

Pedalar naquela época, anos 70 e 80, era maravilhoso. Havia pouquíssimos carros nas ruas e os espantados automobilistas tinham um cuidado redobrado com aqueles loucos. E apelidar-me de louco é pouco. Eu era como as minhas bicicletas, rijo como o aço. A minha segunda bicla oferecida pelo meu pai era de corrida, uma Vilar vermelha, roda 24 de cinco velocidades. Nela eu simplesmente perdia a noção do perigo e a busca da adrenalina algumas vezes não encontrava limites. Alegria, felicidade, prazer em procurar caminhos novos, alguns deles tortos, e não raro o tombo que se dava no meio do trajecto. Fica um exemplo: Já passava da hora de jantar e a noite caía num crepúsculo de Setembro. Pedalávamos a todo o gás. Ultrapasso o Ernesto num contra-relógio irracional pela Rua Dr. Oliveira Lobo, a oposta à minha. Não tive a mínima hipótese. É que nem enxerguei o animal a saltar do passeio. Quando dei por ele já a roda lhe acertava em cheio no estômago. Desamparado, caí sobre o meu braço e coxa direita. Do cão só lhe ouvi um estridente ganido de dor. Estatelado no chão em cima da bicicleta, surgiu ao pé de mim o esbaforido Ernesto com as seguintes palavras de encorajamento: “Xiiii Paulo, até fez faísca!!!”. Invariavelmente esse era o meu estado de corpo, aqui e ali tatuado de mercurocromo.

Anos mais tarde a suave Altis cor de laranja (Altis de Alfredo Baptista) do meu pai entrou na festa. Aos poucos foi me passando de mão, e de pés, e simplesmente me concedeu a noção de que lado da vida se encontrava a minha própria realidade. Subíamos com a adrenalina a mil. “no pain, no gain“, sem dor não há ganho. No caminho de ida não raras vezes encontrava um amigo e a pedalar juntos nos ríamos dos momentos divertidos. Havia uma fé que um dia os problemas seriam resolvidos e na bicicleta construiria uma vida feliz. Assim foi, mas ela acabou abandonada no sótão entregue às teias do esquecimento. Certa vez perguntei ao meu pai o que seria feito dela. Tinha-a oferecido aos Emaús. Que pena!

Então por que não relaxar e deixar que os que têm outras competências nos guiem? Sentei no conforto do carro e senti um novo prazer, o da condução. Foi uma compra fácil de fazer. A necessidade condizia com a realidade, tirava o carro da garagem e parava à porta do destino. Fechada a porta, os barulhos da rua diminuem, os comandos estão à mão, a música pode ser tocada, não se sente mais a chuva, calor ou frio na cara, Em caso de um acidente pode-se estar mais seguro. Era mais um dos entorpecidos pelo vício do carro. Nos últimos anos já não era tão fácil circular e encontrar lugar para estacionar. Era praticamente sair da garagem e ficar parado no meio da estrada. Não há mais previsibilidade de tempo de viagem. A comodidade tem o seu preço.

O que é bom acaba, mas ninguém quer largar. A visão do que é trânsito é individual, onde ninguém tem nada a ver com a vida do outro. Onde cada um faz o que quer: “Eu pago impostos, paguei pelo carro, tenho direito.” É muito difícil olhar-se ao retrovisor e mudar velhos hábitos, sejam eles bons ou maus. Sair da casca do automóvel é praticamente impossível para a grande maioria. Andar a pé, de autocarro, pedalar! “Que coisa mais ridícula, isso é de gente pobre!”. Será? Todos os caminhos para uma vida mais equilibrada e pacífica revelam-se longos e complicados. Felicidade imediata não existe, e dizem existir um preço, não raras vezes alto, muitas vezes grato. Muito já não me agradava. Era um bom sinal de fim de festa. O conceito do Metro é uma maravilha.

Na Etiel (Etiel de Joaquim Leite) encontrei as bicicletas dos meus olhos, comportáveis ao meu bolso. Uma para mim, outra para a minha amada. Investi e ganhei. Busquei o bem-estar com insistência e com todas as ferramentas possíveis. É o nosso dever! Se o que nos é dado não é suficiente, vamos ao próximo passo, pagamos o preço e lucramos. A desintoxicação dos nossos vícios é um processo que tem o seu custo e os seus benéficos resultados. Alguns que há muito não se sentam numa bicicleta reclamam pelo menos da dor nas nádegas. O selim sempre foi um problema e a maioria volta para o carro, rapidinho. Para esses a bicicleta continua a ser um paradigma. Mistura o benefício com a fadiga, tentação e repulsa. Mas há uma crença. O que é o difícil e o que é fácil? Pedalar torna-se um processo cansativo, dorido, mas a insistência da pedalada também vicia e é fascinante. Afinal, se quer conforto senta no sofá, para isso foi inventado o selim de gel.

6 comentários:

Rafeiro Perfumado disse...

Onde é que fica essa terra, Fânzeres de bicicleta?

Abraço!

paulofski disse...

Fica aqui bem pertinho e vê-se bem do Estádio do Dragão.

Abraço

Almeida (pai) disse...

Como é bom reviver.Parabens pela tua memória.

Um abraço.

Teté disse...

Aposto que quem não achou graça nenhuma à tua adrenalina, foi o cão que atropelaste! Isso das corridas, quer de bicicleta, patins, motas ou automóveis dá sempre mau resultado... :(

Tó (Mano) disse...

Xiii...já nem me lembrava desse tombo que deste quando atropelas-te o cão...até me arrepiei a relembrar esse momento.

Tens que fazer um Post, da "Volta a Gondomar de bicicleta" que faziamos aos Domingos de manhã, sempre o mesmo trajecto, de casa até á barragem de Crestuma.. (e aquele prémio de 1ª categoria na volta a subir do Freixo até casa)...
Abraço Mano

ψ Psimento ψ disse...

Eheheh a bicicleta é mesmo um dos teus amigos de infância. Mas parece-me ser algo que se está a perder... Tenho vários amigos que dizem não saber andar de bicicleta. Pessoalmente muitas das minhas memorias de infância também são em cima da minha velha bicla preta. Nem sei o que lhe aconteceu, mas lembro-me que inicialmente tinha rodinhas e depois o meu pai tirou uma das rodas, sendo que seguidamente eu arranquei a outra e lá fui eu... a pedalar :)